Direito de Família na Mídia
Projetos a favor da infância são minoria no Congresso
17/12/2007 Fonte: ANDIDe 488 propostas, apenas 82 fortalecem os direitos de crianças e adolescentes
A maior parte dos projetos de lei apresentados no Congresso Nacional sobre crianças e adolescentes visa diminuir os direitos dessa parcela da população. Análise de 488 proposições feita por especialistas revela que apenas 82 (16,8%) são favoráveis a esse público. "Um número muito grande de projetos vai contra o que é garantido na lei. Mesmo aqueles que não modificam diretamente o ECA demonstram que os parlamentares sequer conhecem o que já existe na legislação da infância e adolescência. São propostas sobre questões já superadas, que ainda constavam do antigo Código de Menores", explica a socióloga Jussara de Goiás, militante do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua que participou da classificação dos PLs.
Os resultados dessa análise foram apresentados no Seminário Técnico Parlamentar sobre Proposições em Tramitação no Congresso Nacional Referentes aos Direitos da Criança e do Adolescente, ocorrido em Brasília nos dias 6 e 7 de novembro. De acordo com o trabalho, 59 PLs são contra os direitos infanto-juvenis. Outros 144 são considerados polêmicos pelos especialistas, pois propõem soluções duvidosas para os problemas das crianças e adolescentes brasileiros. O restante faz proposições que já estão contempladas na legislação existente.
A idéia de classificar os projetos faz parte de uma estratégia de articulação com o Legislativo para conseguir a aprovação dos PLs que beneficiem a população infanto-juvenil, e também a rejeição daqueles que, ao contrário, vem cercear os direitos desse público. A iniciativa partiu da Frente Parlamentar Nacional em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Fórum Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com consultoria técnica do Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria).
Agregadores de direitos
Entre as propostas positivas há 11 que são consideradas prioritárias e que, na opinião dessas organizações, deveriam ter aprovação urgente. Nesse grupo está o PL 1627/07, que regulamenta o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), plano de diretrizes que visa qualificar o tratamento dispensado aos adolescentes em conflito com a lei. O Sinase prevê a redução do número de internações e prioriza as medidas em meio aberto - como a liberdade assistida e a prestação de serviços à comunidade - que têm maior potencial de ressocialização do jovem. A proposta está agora na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara, tendo como relatora a Deputada Rita Camata (PMDB-ES). Foi aprovada a criação de uma comissão temporária para avaliar seu teor, mas os membros do grupo ainda não foram nomeados.
Outro projeto benéfico à população infanto-juvenil e prioritário é o PL 281/05, que aumenta a licença-maternidade de quatro para seis meses. A extensão desse prazo é considerada por especialistas na área médica algo que pode incrementar de forma significativa a saúde e o desenvolvimento do bebê, pois este poderá ser amamentado e estará em contato com a família nesse período. As empresas que aderirem voluntariamente à idéia poderão deduzir do imposto de renda o valor integral do salário pago às trabalhadoras nesses 60 dias adicionais. Aprovada no Senado, a proposta foi encaminhada para a Câmara no início de dezembro, onde deve passar por comissões temáticas e pelo plenário.
Ainda no rol dos agregadores de direitos de caráter urgente, o PL 1300/1999 facilita as doações aos fundos nacional, estaduais ou municipais da Criança e do Adolescente via dedução do Imposto de Renda. A proposta altera o Estatuto da Criança e do Adolescente, facilitando o procedimento tanto para pessoas físicas quanto jurídicas. Uma das simplificações é permitir, por exemplo, que a contribuição possa ser feita em qualquer época do ano, e não apenas no chamado "ano fiscal". A proposta encontra-se pronta para ser votada no plenário da Câmara.
Essas e outras nove proposições foram elencadas em um ofício entregue ao deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) pela Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, em audiência realizada ainda no final de outubro. No documento Chinaglia foi conclamado a colocar os PLs na pauta de votação da Casa (conheça a carta clicando aqui). Apesar do presidente da Câmara ter prometido fazê-lo, ainda não há previsão de quando isso ocorrerá.
Retrocessos
As principais proposições que visam reduzir os direitos infanto-juvenis são aquelas relacionadas à maioridade penal. Tramitam na Câmara e no Senado 141 PECs e PLs pedindo o endurecimento no trato com os adolescentes infratores. Grande parte sugere o aumento do tempo máximo de internação em unidades socioeducativas, dos atuais três anos para cinco (PL 322/07), seis (PL 177/07), dez (PL 165/07) ou até 20 anos (PL 241/07). Em destaque está o substitutivo do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) para o PL nº 2.847/2000 e seus apensos. Aprovado ontem (12/12) na Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, o projeto aumenta o tempo de internação para oito anos, quando os adolescentes praticarem atos equiparáveis a crimes hediondos - como seqüestro, tráfico de drogas e latrocínio. Além disso, quando completarem 18 anos, eles serão transferidos para um presídio comum ou colocados em uma ala separada na unidade de internação para cumprir o restante da pena.
O procurador de justiça aposentado Wanderlino Nogueira, consultor da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), considera que a aprovação da proposta foi uma forma encontrada pelos parlamentares de reduzir a idade penal sem fazer muito alarde. "Se um adolescente de 15 anos receber oito anos de internação, aos 18 ele será levado a um presídio comum e ficará lá até os 23. Isso não significa ressocialização. Significa prisão", diz.
Fora do eixo penal, o substitutivo do PL nº 2.847/2000 chega ao ponto de resgatar práticas do antigo Código de Menores de 1979, lei que antecedeu o ECA e que não via crianças e adolescentes como sujeitos de direitos. O texto permite que as autoridades encaminhem imediatamente para abrigos meninos e meninas pegos em situação de mendicância, trabalho infantil, exploração sexual ou uso de drogas, por exemplo.
Um projeto que tem seu foco direto na redução da maioridade é a Proposta de Emenda Constitucional n° 20/99, que prevê que adolescentes em conflito com a lei sejam enviados para cadeias comuns a partir de 16 anos. A essa proposta estão apensados vários outros projetos. Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado em abril, a PEC irá passar por outras comissões antes de ir ao plenário daquela casa para, então, ser enviada à Câmara.
Polêmicas
No meio termo entre os projetos favoráveis e os contrários aos direitos da criança estão aqueles que os especialistas classificam como polêmicos. Propostas que foram apresentadas com a justificativa de resolver os problemas da infância, mas que se valem de medidas até certo ponto questionáveis.
Cláudio Augusto Vieira, psicólogo da Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião e um dos técnicos que trabalhou na classificação dos projetos, informa que a maior parte dos PLs que versam sobre o trabalho do adolescente encaixam-se nesse perfil. "Há duas ou três propostas que prevêem que o adolescente possa atuar em trabalhos insalubres e perigosos, desde que seja com o intuito de sustentar seus estudos. São projetos que beiram o absurdo", afirma.
Outra proposta que vem gerando discussão há bastante tempo é o PL 6222/05, que dispõe sobre a Lei Nacional de Adoção. Para ajudar as cerca de 80 mil crianças e adolescentes internados em abrigos no País (números do Ipea), o projeto sugere que esses meninos e meninas fiquem no máximo dois anos nessas instituições e, após esse prazo máximo, sejam disponibilizados para adoção. "A proposta mexe no ECA, colocando a adoção como a grande salvação da infância e da adolescência no Brasil. Prega que a culpa é da família, que não cuida, e colocando a criança para adoção o problema está resolvido", critica Cláudio Vieira. O projeto se choca com a visão das entidades da sociedade civil e do próprio Governo Federal, cuja prioridade é implantar o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária. O objetivo do documento é viabilizar ações para reestruturar as famílias de origem e permitir que os jovens abrigados voltem para casa.
Os projetos que propõem a redução da idade mínima de obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para 16 anos também integram a lista dos polêmicos. Só na Câmara dos Deputados tramitam três proposições com esse intuito (PLs 4369/1998, 6478/2006 e 1156/2007). Para a socióloga Jussara de Goiás, essas propostas têm dois problemas. Dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) mostram que os jovens são as principais vítimas de acidentes fatais. Conceder permissão para os adolescentes dirigirem incrementará a violência no trânsito. Os dados revelam que, quando mais jovem, proporcionalmente é maior a probabilidade de se envolver em acidentes. Dos condutores de 31 a 60 anos no Brasil em 2004, 1% sofreram colisões (em 2005 foi de 0,95%). Entre aqueles com 18 a 30 anos, 1,54% se acidentaram em 2004, proporção que se manteve no ano seguinte. A quantidade de menores de 18 anos envolvidos em acidentes em 2004 foi de 12.602, número que cresceu 20,8% no ano posterior, chegando a 15.232.